O pacifismo a qualquer preço é hoje o principal credo europeu
1Israel e o Irão, os EUA e a Coreia do Norte são, por ordem decrescente, os países mais mal vistos do planeta, os que "pior influência exercem", segundo os resultados de uma sondagem a 28 mil pessoas de 27 países, entre os quais Portugal. A sondagem, realizada para a BBC entre Novembro e Janeiro, pedia às pessoas que classificassem a influência de 12 países: Canadá, China, Coreia do Norte, Reino Unido, EUA, França, Índia, Israel, Japão, Rússia, Venezuela.Israel é o "vencedor", com 56 por cento de opiniões negativas e apenas 17 por cento de positivas. Seguem-se o Irão, com 54 por cento, os EUA, com 51 por cento, e a Coreia do Norte, com 48 por cento. Em contrapartida, as opiniões mais positivas vão para o Canadá, o Japão, a União Europeia e a França. Pelo meio, fica a China, com mais respostas positivas do que negativas, a Venezuela, com empate de opiniões, e a Rússia, com uma avaliação ligeiramente mais negativa.
Não deixa de ser significativo que países europeus como a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha estejam entre os que pior opinião têm sobre a influência de Israel no mundo, opinião que se estende, embora de forma mais suavizada, também aos EUA.
Como interpretar estes resultados? Como interpretar esta visão que julga com os mesmos critérios e coloca praticamente em pé de igualdade regimes ditatoriais e fomentadores do terrorismo, de um lado, e sociedades livres e democráticas, do outro?
É evidente que a natureza das perguntas e o momento em que são feitas condicionam parcialmente as respostas. O estudo levado a cabo pela GlobeScan em parceria com a Universidade de Maryland foi iniciado poucos meses depois da guerra do Líbano, com a memória das pessoas ainda cheia das imagens de destruição e violência do Líbano. Mas isto não invalida a principal conclusão desta sondagem: para a grande maioria dos entrevistados não há relação nenhuma entre a paz e a segurança de um lado, a liberdade e a democracia do outro. Em termos de ameaça mundial, os regimes políticos equivalem-se.
Na opinião do director do estudo, Steven Kull, "as populações tendem a ver negativamente os países cujo perfil está marcado pelo uso da força (...) e positivamente os que mantêm uma relação pacífica com o mundo". Ninguém duvida, com efeito, que a guerra é o pior dos pesadelos e os povos, particularmente na Europa, têm dela uma memória dolorosa e traumatizada. Mas a questão não está aí. Está, sim, no alvo do dedo acusatório - Israel e EUA -, quando debaixo dos nossos olhos se desenrola a mais bárbara, a mais cobarde e a mais assassina de todas as guerras: a guerra contra os civis.
No Iraque, no Afeganistão, na Tchetchénia, no Darfur, no Magrebe, são utilizados os meios mais selvagens e cruéis: atentados em hospitais por terroristas disfarçados de pessoal médico; bombas nas universidades contra estudantes, nas mesquitas contra fiéis, nos lugares santos contra peregrinos; devastação à bomba do coração cultural de Bagdad onde os livros também são um alvo; cadáveres mutilados por torturas hediondas atirados para valas comuns; raptos, decapitações e agora, supremo requinte, aparição do terrorismo químico, à base de cloro - irmãos contra irmãos, árabes contra árabes, muçulmanos contra muçulmanos, não poupando velhos, mulheres e crianças.
Quem protesta contra esta guerra? Ninguém. Ela deixa-nos indiferentes, cegos que estamos pela "evidência" de que tudo é culpa de Israel e dos EUA. Impune, a barbárie pode continuar: de todas as formas ela será sempre atribuída a americanos e israelitas. Nem os europeus, nem muito especialmente o mundo árabe e muçulmano têm a coragem de denunciar o que se passa. Preferem enganar e serem enganados, diabolizando Israel e os EUA. O ódio a Israel e à América oculta a barbárie do nosso tempo.
Os países árabes moderados temem represálias dos seus grupos integristas e ser acusados de fazer o jogo do grande e do pequeno Satã. E os europeus, o que temem? Os europeus têm medo. Medo da guerra, medo do terrorismo, medo das "suas" comunidades islâmicas. Consideram o Irão uma ameaça, mas receiam mais o confronto do que a própria ameaça. "Enquanto os israelitas subscrevem a máxima "Nunca mais", a dos alemães é "Nunca mais a guerra"", afirma o alemão Stephan Vopel. O pacifismo a qualquer preço é hoje o principal credo europeu.
2É por isso que não posso deixar de encarar com cepticismo o repto, apoiado pelo PÚBLICO, que nos propõe o historiador inglês Timothy Garton Ash, ao sugerir a construção de uma "nova narrativa europeia" com base nos valores da liberdade, da paz, do respeito pela lei, da prosperidade, diversidade e solidariedade. Quando vemos que uma ditadura como a de Teerão, em oposição frontal aos valores acima classificados como europeus, é considerada menos perigosa para o mundo do que Israel; quando vemos que países "livres" e "democráticos" como a Rússia, China, a Venezuela e a Coreia do Norte obtêm uma opinião mais favorável do que os EUA, não me resta a menor ilusão da vontade, nem da capacidade europeias de construir "essa nova narrativa". Parece-me, sim, que a Europa continua presa aos fantasmas do passado, projectando uma imagem de si própria que não é capaz de assumir na prática, mirando-se a um espelho deformado que lhe devolve uma imagem do que ela gostaria de ser, mas não é.
E, enquanto se mantiver uma equivalência política e moral entre países onde os direitos do homem são por vezes violados - o que obviamente não os desculpa - e aqueles onde essa violação é a sua própria natureza e base de sustentação, não acredito que a Europa seja capaz de combater pelos valores acima descritos. Hoje, a "narrativa" europeia resume-se a três palavras: sossego, segurança e bem-estar. Para si própria, naturalmente...