09.04.2007, Santana Castilho
Apesar de serem antigas, na "blogosfera", as referências ao percurso académico de Sócrates e de nem sequer ter sido a peça do PÚBLICO a primeira a aparecer na comunicação social escrita, foi a decisão editorial deste jornal, secundada pelo Expresso, que, definitivamente, deu aos factos repercussão nacional.
A forma como a Universidade Independente documentou o percurso académico de Sócrates é uma bizarra trapalhada.
Recordemos alguns dos factos publicados pelo PÚBLICO e pelo Expresso: coisas a que chamam documentos não estão assinadas, não têm data nem timbre, nem qualquer carimbo, nem sequer numeração; não existem "livros de termos"; a decisão sobre a equivalência foi tomada sem que o processo estivesse instruído com um único documento oficial relevante; segundo o então reitor, "... as fichas de cada aluno já ninguém sabe delas...", "... nos primeiros anos a nota final é acompanhada com fundamento, depois é deitada fora..." e, quanto ao registo de pagamento de propinas, "... ao fim de cinco anos vai tudo para o maneta..."; o presidente do Conselho Científico diz nunca ter visto Sócrates e diz que o seu processo de equivalências jamais foi submetido a qualquer órgão académico; o diploma de Sócrates foi passado a um domingo; um estudo do oficialíssimo Observatório da Ciência e do Ensino Superior, a que presidiu a actual ministra da Educação, diz não ter havido licenciados pela Universidade Independente no ano e no curso em que Sócrates se diplomou e as explicações oficiais para a contradição são deploráveis, quando confrontadas com as explicitações do próprio documento.
Face a tudo isto, a dúvida está instalada e a credibilidade dos diplomas outorgados ao aluno Sócrates e aos milhares que o antecederam e sucederam irremediavelmente manchada. É aqui, na protecção devida aos alunos, que reside o lado mais importante da questão, não sublinhado pelo que tem vindo a público: o falhanço estrondoso, ao longo dos anos, da fiscalização do Estado sobre a actividade privada desta universidade (e das outras?).
As disposições legais vigentes exigiam que o Estado conhecesse o nome dos alunos, os planos de estudo e os professores respectivos, ano por ano. A lei vigente obrigou sempre à existência de um Conselho Científico, em cujo estrito âmbito deveriam ter sido tomadas as decisões que estão na base das notícias. Como obrigou sempre a instrumentos óbvios de registo, cuja efectividade e segurança incumbiam também ao Estado, através da sua função fiscalizadora.
Hoje, Mariano Gago dirá ao país se fecha ou mantém aberta a Independente. Mas não dirá uma palavra sobre o mais importante, ou seja, por que falhou o Estado na sua função fiscalizadora e que medidas tomará, de imediato, para nos garantir a não-repetição destes factos, noutras instituições.
Em 26 de Março escrevi aqui que Mariano Gago parecia observar de longe o velório da Universidade Independente. Hoje vai promover a sua ressurreição ou decretar-lhe o óbito. Por razões que a prudência não me deixa explicitar, antecipo que o veredicto ditará a continuidade, quando só a autópsia poderia ser útil.
Ao que parece, hoje, segunda-feira, também Sócrates poderá quebrar o silêncio a que se tem remetido. Se o fizer, embora tarde, para seu bem e em defesa da dignidade do cargo que ocupa, espero que resulte inequívoco que nunca o ora primeiro-ministro recorreu a expedientes ilegítimos para obter títulos académicos nem, por forma alguma, algum departamento do Estado está refém da Universidade Independente. Porque são essas as questões que interessam ao país, para além da que acima ficou enunciada.
Finalmente, que este episódio sirva para ajudar o país:
1.º Na reflexão, que não está a ser feita, sobre a ânsia de aumentar o protagonismo da iniciativa privada e do mercado na definição das políticas educativas. A saga da Independente deveria levar-nos a ponderar até onde nos pode conduzir a gradual desresponsabilização do Estado e o galopante desmantelamento da escola pública.
2.º A sair do provincianismo que o caracteriza. É tempo de deixarmos de indexar o valor das pessoas à nobiliarquia académica e a retirar razão a Almada Negreiros quando dizia que "... a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios!"
Professor do ensino superior
A forma como a Universidade Independente documentou o percurso académico de Sócrates é uma bizarra trapalhada
Apesar de serem antigas, na "blogosfera", as referências ao percurso académico de Sócrates e de nem sequer ter sido a peça do PÚBLICO a primeira a aparecer na comunicação social escrita, foi a decisão editorial deste jornal, secundada pelo Expresso, que, definitivamente, deu aos factos repercussão nacional.
A forma como a Universidade Independente documentou o percurso académico de Sócrates é uma bizarra trapalhada.
Recordemos alguns dos factos publicados pelo PÚBLICO e pelo Expresso: coisas a que chamam documentos não estão assinadas, não têm data nem timbre, nem qualquer carimbo, nem sequer numeração; não existem "livros de termos"; a decisão sobre a equivalência foi tomada sem que o processo estivesse instruído com um único documento oficial relevante; segundo o então reitor, "... as fichas de cada aluno já ninguém sabe delas...", "... nos primeiros anos a nota final é acompanhada com fundamento, depois é deitada fora..." e, quanto ao registo de pagamento de propinas, "... ao fim de cinco anos vai tudo para o maneta..."; o presidente do Conselho Científico diz nunca ter visto Sócrates e diz que o seu processo de equivalências jamais foi submetido a qualquer órgão académico; o diploma de Sócrates foi passado a um domingo; um estudo do oficialíssimo Observatório da Ciência e do Ensino Superior, a que presidiu a actual ministra da Educação, diz não ter havido licenciados pela Universidade Independente no ano e no curso em que Sócrates se diplomou e as explicações oficiais para a contradição são deploráveis, quando confrontadas com as explicitações do próprio documento.
Face a tudo isto, a dúvida está instalada e a credibilidade dos diplomas outorgados ao aluno Sócrates e aos milhares que o antecederam e sucederam irremediavelmente manchada. É aqui, na protecção devida aos alunos, que reside o lado mais importante da questão, não sublinhado pelo que tem vindo a público: o falhanço estrondoso, ao longo dos anos, da fiscalização do Estado sobre a actividade privada desta universidade (e das outras?).
As disposições legais vigentes exigiam que o Estado conhecesse o nome dos alunos, os planos de estudo e os professores respectivos, ano por ano. A lei vigente obrigou sempre à existência de um Conselho Científico, em cujo estrito âmbito deveriam ter sido tomadas as decisões que estão na base das notícias. Como obrigou sempre a instrumentos óbvios de registo, cuja efectividade e segurança incumbiam também ao Estado, através da sua função fiscalizadora.
Hoje, Mariano Gago dirá ao país se fecha ou mantém aberta a Independente. Mas não dirá uma palavra sobre o mais importante, ou seja, por que falhou o Estado na sua função fiscalizadora e que medidas tomará, de imediato, para nos garantir a não-repetição destes factos, noutras instituições.
Em 26 de Março escrevi aqui que Mariano Gago parecia observar de longe o velório da Universidade Independente. Hoje vai promover a sua ressurreição ou decretar-lhe o óbito. Por razões que a prudência não me deixa explicitar, antecipo que o veredicto ditará a continuidade, quando só a autópsia poderia ser útil.
Ao que parece, hoje, segunda-feira, também Sócrates poderá quebrar o silêncio a que se tem remetido. Se o fizer, embora tarde, para seu bem e em defesa da dignidade do cargo que ocupa, espero que resulte inequívoco que nunca o ora primeiro-ministro recorreu a expedientes ilegítimos para obter títulos académicos nem, por forma alguma, algum departamento do Estado está refém da Universidade Independente. Porque são essas as questões que interessam ao país, para além da que acima ficou enunciada.
Finalmente, que este episódio sirva para ajudar o país:
1.º Na reflexão, que não está a ser feita, sobre a ânsia de aumentar o protagonismo da iniciativa privada e do mercado na definição das políticas educativas. A saga da Independente deveria levar-nos a ponderar até onde nos pode conduzir a gradual desresponsabilização do Estado e o galopante desmantelamento da escola pública.
2.º A sair do provincianismo que o caracteriza. É tempo de deixarmos de indexar o valor das pessoas à nobiliarquia académica e a retirar razão a Almada Negreiros quando dizia que "... a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios!"
Professor do ensino superior
No comments:
Post a Comment