Estudos denunciam selecção de alunos nas escolas públicas
Isabel Leiria
Investigador diz
que a situação, gerada
por professores e pais,
é "democraticamente inaceitável"
Escolhem quem fica, quando a procura supera a oferta e fazem-no através da constituição de turmas que agrupam os alunos consoante a origem social e trajecto escolar, denunciaram ontem dois investigadores responsáveis pelo trabalho Diversidade e desigualdade na escola, apresentado em Lisboa.
"O sistema discrimina os alunos por escolas, por turmas e por vias de ensino, o que aumenta os processos de desigualdade e guetização social", defende Pedro Abrantes, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). Isso mesmo constataram diversos estudos feitos no âmbito deste centro de investigação. Parte foi sintetizada no trabalho ontem apresentado, de Pedro Abrantes e João Sebastião, também investigador do ISCTE e coordenador do Observatório da Violência Escolar.
Uma das investigações, da autoria de João Sebastião e Sónia Vladimira, concluída em 2005, analisou os resultados dos alunos de quatro escolas públicas da mesma área geográfica e com o mesmo nível de ensino. Para além da composição social ser distinta - duas tinham maioritariamente jovens de meios sociais favorecidos e pais com altas habilitações e as restantes tinham sobretudo filhos de operários e empregados -, os resultados acompanhavam essa diferenciação.
No estabelecimento de ensino em que os pais dos alunos eram sobretudo "profissionais e dirigentes" o número de estudantes que aos 15 anos tinha chumbado mais de uma vez ficava-se pelos sete por cento. Na escola constituída maioritariamente por filhos de "operários e empregados" a percentagem disparava para os 49 por cento. Na primeira, 82 por cento dos alunos nunca tinham ficado retidos; na segunda acontecia com 33 por cento.
Numa outra investigação, realizada em 2001, numa escola básica do concelho da Amadora, os autores Joana Campos e Sandra Mateus constataram a mesma "segmentação dos alunos de acordo com as suas trajectórias escolares e origem social".
Interesses particulares
"Dentro da própria escola criaram-se universos paralelos - uma turma de alunos de classe média, com trajectórias de excelência e uma outra de estudantes de um bairro social, com trajectórias de fracasso - e que nunca se encontravam devido a horários muito distintos", descreve Pedro Abrantes.
Questionados sobre a forma como tinham chegado à conclusão de que as escolas "fabricavam as turmas", João Sebastião invocou pesquisas e descreveu um caso que, por motivos familiares, conhece particularmente bem.
"É uma escola em que de manhã só há turmas de alunos brancos e à tarde estão todos os filhos de africanos, o único aluno deficiente que havia, os que vieram do jardim de infância e foram sinalizados como tendo problemas comportamentais e aqueles que vinham de fora e o estabelecimento de ensino não os conhecia. Isto é prática corrente."
Outro "método" com que diz já se ter deparado traduz-se na inscrição prévia, em Junho, de todos os estudantes da zona administrativa adstrita à escola, incluindo dos bairros sociais. "Chega-se a Setembro e a direcção afirma que afinal não tem vagas e que os alunos têm de ir para a escola no fim da rua. Numa o insucesso ronda os sete por cento e na outra é de 30 por cento."
O investigador afirma que a situação decorre muitas vezes de "interesses de professores, que querem os melhores alunos e poucos problemas, e da própria pressão dos pais, que querem o melhor para os filhos". E são os encarregados de educação das classes médias, altas, "com melhor conhecimento do funcionamento das escolas, que têm essa capacidade para pressionar".
João Sebastião considera a situação "democraticamente inaceitável e até inconstitucional" e lembra que a criação de turmas socialmente seleccionadas "tem consequências importantes para a aprendizagem". "Este é um processo relativamente oculto, que acontece quando a escola está fechada e em que nenhum autor se assume como protagonista", conclui.
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