Saturday, April 21, 2007

Um mau caminho para a liberdade

Um mau caminho para a liberdade
21.04.2007, José Pacheco Pereira

Qualquer criminalização do pensar e do dizer é liberticida

V ai chegar a Portugal, pela via paternal da UE, a criminalização da negação do Holocausto. Negar a existência do Holocausto vai dar pena de prisão, embora se admita que diferentes interpretações nacionais possam coexistir em função da tradição legal de cada país. Tal significa - uma típica demonstração da forma como funciona a UE - que a legislação aprovada pelos 27 tanto pode ser aplicada como não.

Em Inglaterra não o será, em França já o é. O problema para nós é que, conhecendo a apetência do PS (e com ecos no PSD) pelo "politicamente correcto" e a necessidade do Governo em encontrar distracções grátis e inócuas para si, há todas as probabilidades de, daqui a uns dias ou uns meses, termos uma cópia portuguesa dessa legislação.

A negação do Holocausto é uma aberração histórica e um extremismo político. Com mais ou menos detalhe, com diferentes interpretações sobre o alcance e o significado do que aconteceu, é da dimensão do vudu acreditar que os milhões de judeus que viviam na Alemanha, Polónia, Lituânia, Bielorrússia, Ucrânia, Holanda, Grécia, etc., etc., desapareceram do mapa dos vivos sem se saber porquê. Pensar que grandes "cidades" judaicas como Vilnius, Varsóvia, Cracóvia, Amesterdão, Salónica deixaram de o ser por algum beam me up sideral é estúpido e absurdo, mas as pessoas devem ter o direito de serem estúpidas e absurdas mesmo sobre os cadáveres alheios.

Que a destruição sistemática e organizada dos judeus foi preparada pelos nazis é também um facto histórico inegável à luz dos documentos e testemunhos existentes.

Autores "revisionistas" como David Irving podem ter razão num ou noutros ponto de interpretação, mas a "história" que produzem não é história. Mas mandá-lo para a cadeia, onde ele aliás já esteve, por pensar mal, ou mesmo pensar de modo obsceno - como é natural que as vítimas do Holocausto pensem, negadas no seu sofrimento - é um atentado à liberdade.

Mas há outra razão que revela os contornos "politicamente correctos" da criminalização do negacionismo: a recusa pelos autores da actual legislação em condenar os crimes do comunismo com um estatuto semelhante ao do nazismo. No debate entre os governos da UE, os países bálticos insistiram nessa dupla criminalização, dos crimes de Hitler e de Estaline (e de Lenine, Mao Tsetung, Pol Pot, etc.) A maioria dos países europeus recusou a proposta báltica, vinda de países que conheceram bem o domínio soviético e aceitaram fazer, ao bom modo hipócrita da UE, umas "audiências públicas" sobre os "crimes de Estaline".

Ora se há contabilidade trágica dos mortos no século XX, ela é ganha à distância pelos crimes de Estaline e dos diferentes regimes comunistas. Trata-se também de factos históricos irrefutáveis, desde as execuções em massa ao Gulag, desde a deportação de povos inteiros até formas geradas por experiências de engenharia social, da colectivização forçada ao Grande Salto em Frente e à Revolução Cultural. Na URSS, na China, no Camboja, na Hungria, na Roménia, em Angola, na Zâmbia, na Etiópia, etc., etc., milhões de pessoas foram presas, executadas, varridas da face da terra, porque tinham na sua esmagadora maioria "culpas objectivas".

Mas isto pode-se negar, como fazem muitos partidos comunistas e muitos intelectuais de esquerda pelo mundo fora, ou pode-se omitir, o que é uma das mais perversas formas de negar.
Dito isto, eu não defendo qualquer salomónica condenação do megacinismo, defendo a liberdade de se ter e defender ideias, mesmo que me sejam repulsivas. É ela a essência da liberdade de expressão e repito-o pela milésima vez: é o direito do outro pensar de uma forma que me parece no limite obscena e vergonhosa. Mas é assim a liberdade e qualquer criminalização do pensar e do dizer é liberticida.

A obsessão actual de criar sociedades "limpas" da violência, da mentira, da crueldade, do racismo, da xenofobia é um dos aspectos mais liberticidas em curso nas democracias ocidentais e tem vindo a agravar-se nos EUA e na Europa.

Do tabaco ao Holocausto, da pornografia ao fast food, dezenas de leis nos protegem do mal. Pode-se dizer que criminalizar a negação do Holocausto não é a mesma coisa que proibir fumar em público.

De facto não é, é mais grave. Mas a atitude geral é a mesma absurda, prepotente, liberticida obsessão que nos chega do Estado e dos governos em obrigar-nos a "viver bem" e a "pensar bem", ou a ir para a prisão.

Tuesday, April 10, 2007

Perguntas que esperam pelo primeiro-ministro

Do Público:

As perguntas mais importantes que esperam uma resp
osta do primeiro-ministro

10.04.2007

As duas referências públicas do primeiro-ministro a este caso foram feitas por escrito – ao PÚBLICO e à SIC –, mas nunca responderam a questões concretas. Aqui ficam as questões mais importantes a que José Sócrates deve responder para clarificar o dossier:

1 Por que razão José Sócrates deixou o ISEL para acabar o curso na UnI?

2 José Sócrates pediu equivalência a 25 cadeiras das 31 que completavam a licenciatura da UnI. Acabou por receber equivalência a mais uma disciplina, ou seja, a UnI deu-lhe equivalência a 26 cadeiras. Por que motivo no ISEL teria de completar mais 12 cadeiras para se licenciar e na UnI apenas teve que fazer mais cinco?

3 António José Morais, então director do Departamento de Engenharia Civil da UnI, leccionou quatro das cinco cadeiras concluídas na Independente. Segundo o próprio, este grupo de disciplinas, algumas do 3.º ano, outras do 5.º, representava todas as cadeiras leccionadas por aquele professor na UnI. António José Morais foi, simultaneamente ao período em que lhe deu aulas, adjunto do secretário de Estado da Administração Interna, Armando Vara, colega de Governo de Sócrates, e mais tarde director do Gabinete de Equipamento e Planeamento do Ministério da Administração Interna.
3.1 José Sócrates já conhecia António José Morais antes de este ser seu professor na UnI?
3.2 António José Morais já havia sido seu professor no ISEL?
3.3 Por que razão José Sócrates não identificou António José Morais como tendo sido seu professor, nas conversas que manteve com o PÚBLICO, ao longo de uma semana?
3.4 Quantas horas de aulas por semana compunham o horário curricular?

4 Nessas conversas que manteve com o PÚBLICO, antes da publicação da primeira peça sobre o caso, Sócrates afirmou-se “insultado” pelas perguntas que lhe foram feitas, disse ter frequentado as aulas e concluído os exames com aproveitamento, mas nunca forneceu provas sobre o que afirmava.
4.1. José Sócrates não guardou nenhuma prova documental da sua carreira académica? Nunca levantou nenhum dos diplomas?
4.2 Qual o motivo que levou Sócrates a delegar no reitor da UnI todos os esclarecimentos, documentais ou testemunhais, sobre o caso, sabendo-se que Luís Arouca já havia estado na origem de indicações erradas sobre o seu currículo publicadas no jornal 24 Horas, em que terá referido cadeiras que não existiam no seu plano de curso?
4.3 Por que razão Sócrates se recusou sempre a responder por escrito às perguntas formuladas, também por escrito, pelo PÚBLICO?
4.4 Como é que, durante quase uma semana, não foi capaz de citar um seu colega ou um dos seus dois professores da UnI?
4.5 Qual o motivo por que não apresentou, por exemplo, a sua monografia de Projecto e Dissertação, tese final do curso?

5 Da matrícula de José Sócrates na UnI consta que não apresentou qualquer documento de prova das cadeiras já feitas no ISEC e no ISEL e só apresentou atestado das 12 cadeiras concluídas no ISEL, em Julho de 1996, ou seja, quando estava praticamente a concluir o curso na UnI.
5.1 A que se deveu este atraso?
5.2 Como pôde a UnI aceitar a inscrição, aprovar um plano de equivalências, permitir a frequência de aulas e a realização de exames sem o documento que atestava as cadeiras finalizadas no ISEL?

6 Quatro notas das cadeiras concluídas na UnI foram lançadas em Agosto e o diploma tem data de 8 de Setembro de 1996.
6.1 Sabendo-se ser anormal o lançamento de notas em Agosto, bem como a passagem de diplomas ao domingo, que justificação é dada para isso?

7 Numa das folhas consultadas pelo PÚBLICO aparece a palavra “isento” no topo da página.
7.1 Sócrates pagou propinas?
7.2 Que valor foi fixado?
7.3 A despesa entrou no IRS?

8 O reitor Luís Arouca disse por várias vezes que só conheceu Sócrates quando este ingressou na universidade. No entanto, em trocas de correspondência anteriores, Sócrates despedia-se “... do seu, José Sócrates”.
8.1 Quando é que Luís Arouca e José Sócrates se conheceram?

9 A que se referia José Sócrates quando, num fax enviado a Luís Arouca que está no seu dossier de licenciatura, escreveu: “Caro Professor, aqui lhe mando os dois decretos (o de 1995 fundamentalmente) responsáveis pelo meu actual desconsolo.”

10 Por que motivo não foram corrigidos todos os erros constantes da biografia publicada no Portal do Governo, mantendo-se a referência errada a uma pós-graduação em Engenharia Sanitária e continuando a ser omitido o MBA em Gestão já depois de o termo “engenheiro” ter sido substituído pelo de “licenciado em Engenharia Civil”?

Monday, April 9, 2007

Há mais alunos para além de Sócrates

Do Público de 9/4/2k7

Há mais alunos para além de Sócrates
09.04.2007, Santana Castilho

A forma como a Universidade Independente documentou o percurso académico de Sócrates é uma bizarra trapalhada

Apesar de serem antigas, na "blogosfera", as referências ao percurso académico de Sócrates e de nem sequer ter sido a peça do PÚBLICO a primeira a aparecer na comunicação social escrita, foi a decisão editorial deste jornal, secundada pelo Expresso, que, definitivamente, deu aos factos repercussão nacional.

A forma como a Universidade Independente documentou o percurso académico de Sócrates é uma bizarra trapalhada.

Recordemos alguns dos factos publicados pelo PÚBLICO e pelo Expresso: coisas a que chamam documentos não estão assinadas, não têm data nem timbre, nem qualquer carimbo, nem sequer numeração; não existem "livros de termos"; a decisão sobre a equivalência foi tomada sem que o processo estivesse instruído com um único documento oficial relevante; segundo o então reitor, "... as fichas de cada aluno já ninguém sabe delas...", "... nos primeiros anos a nota final é acompanhada com fundamento, depois é deitada fora..." e, quanto ao registo de pagamento de propinas, "... ao fim de cinco anos vai tudo para o maneta..."; o presidente do Conselho Científico diz nunca ter visto Sócrates e diz que o seu processo de equivalências jamais foi submetido a qualquer órgão académico; o diploma de Sócrates foi passado a um domingo; um estudo do oficialíssimo Observatório da Ciência e do Ensino Superior, a que presidiu a actual ministra da Educação, diz não ter havido licenciados pela Universidade Independente no ano e no curso em que Sócrates se diplomou e as explicações oficiais para a contradição são deploráveis, quando confrontadas com as explicitações do próprio documento.

Face a tudo isto, a dúvida está instalada e a credibilidade dos diplomas outorgados ao aluno Sócrates e aos milhares que o antecederam e sucederam irremediavelmente manchada. É aqui, na protecção devida aos alunos, que reside o lado mais importante da questão, não sublinhado pelo que tem vindo a público: o falhanço estrondoso, ao longo dos anos, da fiscalização do Estado sobre a actividade privada desta universidade (e das outras?).

As disposições legais vigentes exigiam que o Estado conhecesse o nome dos alunos, os planos de estudo e os professores respectivos, ano por ano. A lei vigente obrigou sempre à existência de um Conselho Científico, em cujo estrito âmbito deveriam ter sido tomadas as decisões que estão na base das notícias. Como obrigou sempre a instrumentos óbvios de registo, cuja efectividade e segurança incumbiam também ao Estado, através da sua função fiscalizadora.

Hoje, Mariano Gago dirá ao país se fecha ou mantém aberta a Independente. Mas não dirá uma palavra sobre o mais importante, ou seja, por que falhou o Estado na sua função fiscalizadora e que medidas tomará, de imediato, para nos garantir a não-repetição destes factos, noutras instituições.

Em 26 de Março escrevi aqui que Mariano Gago parecia observar de longe o velório da Universidade Independente. Hoje vai promover a sua ressurreição ou decretar-lhe o óbito. Por razões que a prudência não me deixa explicitar, antecipo que o veredicto ditará a continuidade, quando só a autópsia poderia ser útil.

Ao que parece, hoje, segunda-feira, também Sócrates poderá quebrar o silêncio a que se tem remetido. Se o fizer, embora tarde, para seu bem e em defesa da dignidade do cargo que ocupa, espero que resulte inequívoco que nunca o ora primeiro-ministro recorreu a expedientes ilegítimos para obter títulos académicos nem, por forma alguma, algum departamento do Estado está refém da Universidade Independente. Porque são essas as questões que interessam ao país, para além da que acima ficou enunciada.

Finalmente, que este episódio sirva para ajudar o país:

1.º Na reflexão, que não está a ser feita, sobre a ânsia de aumentar o protagonismo da iniciativa privada e do mercado na definição das políticas educativas. A saga da Independente deveria levar-nos a ponderar até onde nos pode conduzir a gradual desresponsabilização do Estado e o galopante desmantelamento da escola pública.

2.º A sair do provincianismo que o caracteriza. É tempo de deixarmos de indexar o valor das pessoas à nobiliarquia académica e a retirar razão a Almada Negreiros quando dizia que "... a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios!"
Professor do ensino superior