O Estado quer mandar em tudo, impondo regras disparatadas tanto à poderosa (e odiada) banca, como ao inócuo pescador de fim-de-semana
Felizmente para cada um de nós e para a humanidade, mas algo que acarreta uma enorme trabalheira. Exige leis e mais leis, pois não há nada como uma boa lei para transformar uma montanha numa planície - ou pelo menos assim pensam muitos governos, o nosso incluído.
A fúria legislativa de tudo uniformizar foi recentemente denunciada, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, por Joaquim Azevedo, quando lamentou que o Ministério da Educação se tivesse recentemente ocupado da magna questão de regulamentar as dimensões dos cacifos dos alunos nas escolas básicas e secundárias (!!!). Mas a este exemplo kafkiano podemos juntar dois dos últimos dias.
Um fez ontem a primeira página do PÚBLICO: o Governo decidiu impor à banca, em nome da defesa do consumidor, que as comissões para amortização ou liquidação de empréstimos no crédito à habitação fiquem limitadas a 0,5 por cento. A medida é popular, até porque alimenta o mais recente ódio de estimação dos nossos governantes, a poderosa banca, mas ao justificá-la o secretário de Estado da Defesa do Consumidor utilizou o pior dos argumentos: "Queremos que os bancos concorram pelas taxas e não com comissões escondidas." Ou seja, quer que o mundo seja plano e que todos os dilemas tenham apenas uma variável e, para o justificar, utilizou o argumento da alegada falta de transparência.
Na verdade, o Governo não tinha nada que legislar sobre estas taxas, tal como não devia tratar das minudências dos cacifos. Num mercado concorrencial e aberto, como é o mercado bancário, são inúmeras as variáveis que podem influenciar a escolha do consumidor. Uma taxa mais baixa pode ser conseguida alargando o prazo do empréstimo, ou transferindo todas as contas para uma determinada instituição bancária, ou fazendo lá os seguros, ou reforçando as garantias dadas como caução.
Aceitar uma penalização maior por amortização antecipada podia ser uma escolha dos clientes, desde que devidamente informados. Ora em vez de actuar para garantir a transparência da informação e assegurar que as autoridades reguladoras intervêm de forma eficaz, o Governo preferiu diminuir as variáveis para tentar tornar o mundo menos complexo.
Ora como a banca por certo não abdicará das suas margens, o consumidor final pagará noutra factura, pois a única forma de realmente o beneficiar seria garantir que a concorrência aumentava mesmo. Fez-se o contrário, pois é duvidoso que regulamentar tudo, e tornando tudo mais igual, a concorrência aumente.
Mais absurdas são ainda algumas das regras a que terão de se submeter os pescadores de fim-de-semana e que ontem foram tornadas públicas. Só um burocrata que nunca tenha passeado pelos pontões onde se juntam algumas rotundas barrigas com as suas famílias ou alguém que nunca tenha deixado o bolor da sua repartição pública para experimentar descer uma das falésias do nosso litoral para se aproximar dos melhores pesqueiros pode considerar razoável, ou protector das espécies, impor aos pescadores que estes devem guardar dez metros de distância uns dos outros.
E só quem nunca tenha visto como a actividade serve de entretém a muitos reformados de parcos rendimentos pode ter como razoável exigir-lhes as taxas pedidas quando estes pouco mais catarão do que umas sarguetas para fritar e acompanhar com arroz de tomate.
A cultura centralista, regulamentadora e castradora do nosso funcionário público é secular. Alimentada pela filosofia "iluminada" de alguns governantes torna-se num patético pesadelo burocrático.