No Público de hoje, por Guilherme Valente:
Apesar das correcções e da pressão que, suponho ir verificando, o chefe do Governo tem exercido, a actual ministra não mexeu, nem ao de leve, em nada de essencial, isto é, não contrariou a infecção ideológica e pedagógica, alimentada por uma espécie de União Nacional dos "especialistas", que domina o ministério e sempre conseguiu impor-se ou bloquear os ministros
1.O que pensar da medida, agora prevista, de um só professor para todas as disciplinas no segundo ciclo do básico? Não ocorrerá logo a uma mente sensata que isso seria mais um passo na infantilização dos alunos, outra etapa na degradação do ensino, na desqualificação da prestação dos docentes? Não fala a ministra recorrentemente em querer obter resultados? Assim? Que professor, com que formação, dominará o conhecimento nas várias matérias para as poder ensinar com competência e sucesso? A não ser que os docentes tenham que saber apenas pedagogia e o domínio das várias matérias disciplinares não seja importante. De facto, como vários analistas têm referido e já foi mesmo chocantemente assumido por especialistas menos "políticos", para as teorias pedagógicas que dominam o sistema de ensino a transmissão e aquisição de conhecimentos parece ser irrelevante, esse parece não ser um objectivo nuclear da escola. Como pode a senhora ministra falar em obter resultados? E como os verificará?
A lógica e a coerência da medida agora prevista só pode ser mais uma manifestação do delírio cretinizador, que continua a comandar o sistema educativo, à revelia, agora, estou certo, do conhecimento e dos propósitos do chefe do Governo. Mais um combate que a opinião pública terá de travar?
Manifestando em todas as oportunidades a sua animosidade contra os exames, esta ministra quis, ou deixou que se pretendesse, acabar com o exame de Português, lembram-se? E a opinião pública obrigou-a a recuar. Depois seguiu-se o escândalo incompreensível dos exames de Química. Ontem foi a TLEBS; agora o fim do exame de Filosofia (não me lembro de decisão pedagógica e cívica tão ignorante e insensata como esta, a não ser, mais uma vez, que fosse de propósito); amanhã a alteração aparentemente absurda do regime de docência no básico, que será, de todos os erros, o que é mais imperativo travar.
Mas poderemos estar sempre atentos a tudo, tantas são as medidas aberrantes, mas muitas mais discretas, não tendo, por isso, a cobertura dos media que alerta os cidadãos? Poderá tal situação continuar, a opinião pública a ter recorrentemente de se mobilizar para corrigir os erros da ministra? Inaceitável forma de governar: a ministra pensa, ou avaliza e promove medidas catastróficas, a opinião pública reage e o ministério recua. É a opinião pública a governar pela ministra, uma necessidade que, todavia, se pode deduzir, infelizmente, das suas próprias palavras:
Não lavou a senhora ministra as mãos da sua responsabilidade na referida "bronca" do exame de Química, dizendo que não tinha que conhecer nem se metia no que era da responsabilidade dos especialistas? Não afirmou, noutra ocasião: "Acho que as questões técnicas da pedagogia não devem vir para a esfera da actividade política"? E deu mesmo um exemplo, de igual brilho: "Seria o mesmo que o ministro da Saúde dizer qual a melhor técnica de diagnóstico para um problema de saúde." Acontece, diga-se de passagem e sem esperança de convencer quem possui ideias tão elaboradas e as sustenta com tal indiferença pela crítica, que o ministro da Saúde não faz, felizmente, outra coisa, isto é, assume a responsabilidade política pela qualidade e a eficácia de todas as acções do seu ministério, escolhendo os especialistas em que se apoia e acompanhando e avaliando o resultado da sua intervenção. De resto, se em cada operação nos hospitais morresse um doente - e é algo idêntico o que desde há muitos anos está a acontecer na nossa escola -, o que faria o ministro Correia de Campos? Diria, como a ministra, que o problema é dos técnicos e, subentende-se o seu recado, que nós cidadãos não teríamos nada com isso?
Adivinha-se o desejo da ministra, a mensagem subliminar nas suas palavras, mas arrepia imaginar o que seria se todos pensássemos como ela, imaginar que pudéssemos estar no país em que, parece podermos concluir, a senhora gostaria de viver.
E quem são esses especialistas que a senhora ministra segue, de um modo que lembra a atitude do iletrado ignorante que toma como verdade inquestionável o disparate mais absurdo pelo facto de o ter num livro ou ouvido da boca de um especialista qualquer? São precisamente os "especialistas" que conduziram à tragédia educativa que já ninguém nega. Parece não haver outros para a senhora ministra, deuses únicos que segue acrítica e, talvez, temerosamente.
2. Foi chocante a TLEBS? Então leia-se o Referencial de Competências, Chave para a Educação e Formação de Adultos, Nível Secundário (o título é logo uma pérola), agora publicado pelo ministério.
Um documento que não posso acreditar tenha sido visto pelo primeiro-ministro. Se o tivesse lido não o deixaria publicar. Um longuíssimo discurso - provavelmente ninguém terá pachorra para o ler até ao fim - que não poderá suscitar, enquadrar, orientar, qualquer realização com resultados efectivos. Pelo contrário, é mais uma das inutilidades retóricas do costume que, como a generalidade das toneladas de papéis elaborados no ministério, só servirá para complicar e bloquear o sistema.
Seria hilariante se não fosse trágico.
3. Apesar das aparências, enganaram muito boa gente, a intervenção da senhora ministra no plano administrativo e laboral, dita corajosa, mas na minha opinião cega e desastrosa, que resultados teve de facto? Uniu os sindicatos como nunca estiveram antes, reaproximou deles a generalidade dos professores, legitimando a acção sindical que, durante todos estes anos, os fez cúmplices (por vezes contra natura da ortodoxia filosófica ou ideológica de que o mais importante deles se reivindica) da tragédia educativa que corrói e inviabiliza o país, levando ao adiamento da sua reconversão - que já se vislumbrava - no sentido de passarem a desempenhar, finalmente, o papel regulador que deve ser o seu, contributo inestimável para a segurança dos profissionais, a mudança do ensino e o progresso do país.
Apesar das correcções e da pressão que, suponho ir verificando, o chefe do Governo tem exercido, a actual ministra não mexeu, nem ao de leve, em nada de essencial, isto é, não contrariou a infecção ideológica e pedagógica, alimentada por uma espécie de União Nacional dos "especialistas", que domina o ministério e sempre conseguiu impor-se ou bloquear os ministros.
Marçal Grilo, Oliveira Martins e Júlio Pedrosa não varreram o eduquês, mas a sua estatura intelectual e académica, experiência profissional, espírito crítico e sensatez permitiram-lhes travar várias das manifestações mais delirantes da praga. Agora, pelo contrário, parece-me mesmo haver uma identificação da ministra à ideologia e à nomenclatura ou então uma subordinação como nunca se verificou antes. É o que parece transparecer de afirmações suas.
Mas julgo vislumbrar a mudança no horizonte. Este actual estádio supremo do eduquês deverá ser também o seu estertor. E julgo ter boas razões para pensar que a mudança vai acontecer com José Sócrates. Não é possível adiar mais e ele percebe onde está a essência do problema e acredito, e apoio, a sua atitude reformadora. Enganou-se com a ministra, mas estará a verificar o engano e irá corrigi-lo. Os próximos resultados vão ser piores e o chefe do Governo sabe que não haverá desenvolvimento nem diminuição das desigualdades sem outra escola, sem um ensino que desafie alunos e professores, que qualifique e forme, que realize as diferentes potencialidades de todos. Editor
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1 comment:
Uma gracinha sobre o assunto:
A Experiência Pedagógica TLEBS
:-)
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